sábado, 25 de abril de 2020

Passagem pela Quarentena

Quero entrar na quarentena da quarentena, isolar-me do isolamento, distanciar-me do distanciamento. Quero me contaminar de mim mesma. 

O novo transformou o normal e o novo normal me assusta.
Perco meu sono depois de dias sem saber que dia é. 
Perco minha fome enquanto muitos de fome clamam em "Vakinhas". 

Onde está a justiça? Se demitiu! E o que sobrou são mentiras. 
Máscaras caíram, contaminadas pelo vírus da vaidade. Não há verdade num país que está acima de todos sem nunca ter sido a terra que acolhe, o mar que protege, o povo que se orgulha.

Estamos sem ar! Não há respiradores para todos. 
Constrói-se leitos para que os eleitos novamente se deleitem com os direitos emergenciais.

Não há crime perfeito, há pleitos desfeitos e destrezas defesas nos altos tribunais. Mas são as rasas valas que aguardam o mais perfeito do direito de ser mais um a disputar um leito.

A fome não espera. O medo não congela. A angústia não se afasta. Não há pronunciamento que cale a humanidade desfeita. Somos um perfil feliz em uma timeline desfigurada, procurando um batom para mudar a cara de quem ainda não encara, não encarna, não escancara a dor de um país desgovernado e
um mundo desglobalizado. 

Mas eis que ressurge um planeta, que regenera mais rápido que sua própria criação. Que ousa ocupar o espaço que outrora era dono, que torna translúcido o que insistiam em deslumbrar, sobre gôndolas, o lodo da poluição. Eis que surge o gorjeio dos pássaros e a beleza dos céus, hoje, mais estrelados, que ontem, menos que amanhã. 

Sim, amanhã! O que será o amanhã?  O planeta pede socorro, precisa seguir adiante. E nós? Nós estamos somente de passagem.
Passagem pela quarentena.