quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Medo da vida


2017 "Estou com medo da vida"

Esta foi uma das primeiras frases de impacto que ouvi em 2017 - "Estou com medo da vida".

Estamos temendo mais a vida do que a morte. Como pode isto? Era tão simples viver... dormir, acordar, respirar, caminhar, alimentar, relacionar, retornar para casa. Pelo menos, no meu tempo era assim.

Hoje não conseguimos dormir pensando em tantas coisas para pagar, apegar e não desfrutar. Sonhamos com o que não temos e temos o que não sonhamos. Passamos parte da noite acordados seguindo o sonho dos outros. Passamos parte da noite observando e sendo observados. Assistindo a escuridão de nossa própria vida. A vida escureceu.

Acordar passou de sinônimo de despertar de um sonho para desencantar de seus sonhos. "Acorda para a vida." "Acorda menina, ou você é isto ou aquilo." "Para de sonhar e vai à luta." "Alguém do outro lado está acordada enquanto está aqui sonhando." Temos medo de abrir os olhos e a vida ter se tornado um lugar hoje pior que ontem. A vida se tornou um pesadelo.

Respiramos fundo e o que era para ser um alívio se torna um sufoco. Respiramos um ar poluído (vide a China com a invasão da poluição) ou simplesmente perdemos a respiração diante de tantos acontecimentos inimagináveis. Pessoas matando porque pensam diferente. A globalização era para ser diferente, e por ser diferente, em vez de unir, nos separou, nos distanciou e preencheu esta distância com o ódio. Pensar diferente nos tornou pior e não apenas diferente, como era para ser. Somos livres para escrever o que pensamos e somos presos justamente porque possuímos esta liberdade. Inspiramos a liberdade e expiramos o ódio!  A vida se tornou irrespirável.

Caminhamos sem saber onde e se chegaremos. Vamos à tantos lugares, cruzamos fronteiras, voamos sobre os oceanos, mas esquecemos caminhar por nossa própria vida. Caminhamos sem direção ou, na direção imposta pelos mais fortes. Somos livres para caminhar, temos direito de caminhar, mas não sabemos se vamos voltar. Muitos caminhos proibidos, muitas grades nas portas. Muito nem mesmo dão o primeiro passo. Caminhar que era sinônimo de ir, se tornou a antítese de voltar.

O alimento virou o veneno nosso de cada dia. Hoje, não só as indústrias nos envenenam com suas comidas práticas e rápidas, como os agricultores nos alimentam com seus agrotóxicos em busca de produtos maiores e mais bonitos, sem insetos. Os insetos sim, não são tolos de comerem o veneno, só comem o que é bom. "Se tem bichinho é porque é bom", já dizia minha mãe.

Relacionar. Eta palavrinha complicada, ontem e hoje. Um exercício profundo e eterno de viver, conviver com você mesmo e com os outros. Existe pessoas que não se aceitam, se mutilam e quando não se aguentam mais, mutilam o outro. Seja com agressões, sejam ferindo com palavras. Palavras. Nunca surgiu tantas palavras como em 2016. Trans isso, trans aquilo. Homo isso, homo aquilo. Femi isto, femi aquilo. Machismo continua, o mesmo, infelizmente.

Porque não podemos apenas ser. Ser o que quisermos, da forma que quisermos. DESDE QUE, (assim mesmo gritante, pulsante) não invada, restrinja, iniba, constranja, anule, agrida o outro. Eu penso assim, desculpe se sou diferente.

Relacionar é olhar, olho no olho. Mas nem sabemos mais a cor dos olhos de quem convive conosco (by the way o meu é verde, escuro, bem escuro).  Se olha para o mundo virtual mas se ignora o presencial. Ouvimos a voz cibernética e silenciamos a nossa própria. Preferimos curtir, amar, ficar triste, indignar com o outro, do outro lado da tela, mas não esboçamos nenhum sentimento para que está exatamente na nossa frente.

Olhar, falar, se comunicar, se respeitar. É pedir muito? Para alguns sim, mas para outros tão simples. Relacionar virou uma conquista. E para quem se relaciona a vida fica mais viva, mais alegre, o caminho mais aprumado, o caráter mais digno (diria incorruptível). Ir com a enorme vontade de voltar e, por mais triste que pareça, ter medo da morte e não da vida.

Que 2017 não tenhamos medo, tenhamos vida!


(errata: meus olhos não são verdes, mas pode olhar bem de pertinho, para tentar descobrir qual é a cor.)
Texto Mara Débora
Imagem: http://wallpaper-gallery.net/wallpapers/life-pictures.html

Um comentário:

Obrigada pelo seu comentário no AEnG. Ele será lido e respondido em breve. Mara Débora